segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

AS FESTAS DA RUA VELHA








AS FESTAS DA RUA VELHA

(Josessandro Andrade)

“Na Rua Velha a liberdade

Onde fincava pião

Na Ponteira da Saudade

Olhos de Padre Aragão

Teatrinho de brinquedo

Meu fantoche de papel

Sem assombração nem medo

Fiz minha torre de Babel

Mirando da Pedra Grande

Vê-se a torre da matriz

Rabo de peixe de flandre

Academia de giz

Pelas teias da lembrança

Tempos que não voltarão

Rede que dança e balança

Asas da imaginação”.

Esta composição de meu primo e amigo Antônio Amaral, que é cantada por ele no nosso Show poético-musical “Água Fria de Alagoa de Baixo”, Brinda-nos com uma pequena mostra do universo de encantamento que emoldura a Rua Velha,
Onde tudo começou em nossa Terra. Compreendendo a Praça Amarão Lafayete, a Rua Sete de Setembro, ele praticamente se estende de forma afetiva a outras artérias vizinhas, como a Travessa Albuquerque – Né, a Rua Álvaro Barbalho e a Rua de Juá, que fazem parte da região metropolitana que a circunda e bem mais que em um bairro inteiro se constitui. A Rua Velha com suas ricas vivências, com suas memórias políticas e pujança econômica e cultural, a Rua dos primeiros Mercado, Feira, Escola e biblioteca, de tantos poetas como Ulysses Lins, Luiz Pintô, Hamilton Rodrigues, Wilson Freire, Antônio Amaral, Walmar, Walter Amaral, Luiz Pinheiro, Flávio Magalhães, Corsino de Brito, de tantas musas, serenatas, amores, segredos, preces, paixões e ideais.

Pois bem, não é de hoje que a Rua Velha vem sofrendo um processo de degradação física e cultural, desde a agressão a seu patrimônio histórico com a derrubada do Coreto, passando pela destruição de vários casarões ou descaracterização de fachadas. Acharam pouco! Agora investem a violência (sim, pois falta de respeito também o é), contra o que restava do Patrimônio Imaterial: as festas da rua velha.



“Quem subiu prá Rua Velha

Sem fazer calo no pé

Não chupou abacaxi

Nem se embebedou em Pé

Não esquentou a fivela

Agarrado com Zabé

Lá no forró do Mercado

Não conhece Arrastapé”.



Digo isto porque Dezembro chegou e com ele as festas da Padroeira, Natal, Ano Novo. A Rua Velha, (que na verdade foi o ventre onde Sertânia ganhou a vida), durante mais de cento e cinquenta anos serviu de palco glorioso destes festejos famosos.



“O Juju de Zé de Carocha

Rodava feito Pião

A onda de Pedro Tito

Subiu mais que Avião

Carrossel de Chico Padeiro

Roncando no meu terreiro

Nos Oito da Conceição”.



A festa da Padroeira de velhos tempos e distintas épocas, contada e cantada nos versos de Quatro poetas de gerações diferentes: Antônio Amaral, Cieudes Brasiliano, Anacleto Carvalho e Bartolomeu Brasiliano, resgata a poesia do baú de infâncias perdidas, o movimento das ruas, os costumes, as barracas, as comidas, o Pastoril, os leilões, os fogos, os brinquedos dos parques de diversões, as bandas de música, as cavalhadas, os bacamartes, pífanos da Orquestra de Sons Populares, num relato carregado de emoção singular de cada um, mas que se encaixam para compor um grande mosaico de coloridas e doloridas saudades.



“Na festa da Padroeira

Era isso que se via

Cachaça, forró, folia,

Botecos pras bebedeiras,

Meninos espavoridos,

Fazendo grande alarido,

Ao tropel das correrias

Dos carrosséis esquecidos”.

A canção "7 e 8 de Dezembro", Que a maioria das pessoas chama de "A Música da Rua Velha", É Um Arrasta-pé épico com melodia de Heuris Tavares, gravada em 2000, na voz de Daniel Medeiros (um artista dos mais telúricos de Sertânia e de formação religiosa evangélica). Quando toca levanta o povo, povo canta, povo dança, se emociona, assim como quando ouvia os sacudidos frevos? De- Rua de Francisquinho, com a sua clássica? Batalha de Confetes? Nos carnavais da Orquestra Marajoara, quando ainda existia América E.C.



“Cavalhada e Pastoril

Até leilão existia

Na calçada da igreja

Até o Padre bebia

E matutada brincava

Até manhecer o dia”.



Evoco estas reminiscências justamente a pedido de uma vasta gama de pessoas perplexas com o fim da festa da padroeira de Sertânia. Soubemos até que alegaram que o que acabou foi a festa profana e não a festa da padroeira, como se uma pudesse existir sem a outra ou estivessem desassociadas depois de mais de 150 anos de convivência em Alagoa de Baixo e em Sertânia.

Mas pergunto onde foi que acabou a festa profana? Sim, porque ela continua acontecendo no calçadão da igreja, com várias barracas, que vendem mercadorias e produtos com exclusividade de negociar para a paróquia. Dói, constrange e revolta saber que a igreja que fala tanto em defender a pobreza, quantos pais de famílias pobres deixou proibidos de ganhar um dinheirinho, comercializando nas barracas que tradicionalmente se colocava para vender maçã melada, abacaxi, rolete de cana, gengibirra, xerém com galinha, cachaça, sorvete de raspa-raspa, bolo de mandioca, tendas de jogo, juntamente com as novenas, os balões, as procissões e foguetório, enfim tudo que construiu um dia esta festa. Como é que se acabam tradições de mais de cem anos da vida de uma cidade, sem conhecer a história e a realidade dela e todo mundo aceita, se cala e consente. Pecam por omissão!

Desta forma, podemos concluir que a igreja foi egoísta, uma vez que passou a monopolizar o comércio da festa e ainda mais sob o argumento de que pratica tal ato em nome da casa do Senhor, pois diz-se que é para ela o que é arrecadado. A festa ficou mais profana ainda, pois o altar sagrado onde se deve exclusivamente pregar a palavra de Deus, é usado para autoridades e políticos fazerem discursos, com direito a fogos de artifício e tudo mais.

É muito fácil evangelizar dentro de uma igreja. Em um templo, até um pistoleiro comporta-se bem, diz-me o poeta Zenilton, do Alto do Rio Branco. No entanto, o desafio é evangelizar fora da igreja. Por isto que muita gente está afastada do catolicismo, que já não atrai os jovens. Eles com sua irreverência e criatividade são avessos aos excessos de prepotência, bajulação e purismo sem consistência. E não são eles que não querem vida espiritual, pois apesar de católico, tenho uma filha que frequenta uma igreja evangélica e lá mais de 50 jovens e adolescentes uniformizados dirigem o culto com Datashow e telão, pregam , apresentam-se em banda, teatro e coral, num clima de muita alegria e entusiasmo. E nossa Igreja católica, que só olha para seu umbigo, egoísta, acomodada e sonolenta. Envelheceu e não seu deu conta.

Neste clima de inquisição, proibiram até o Parque de Diversões de Severino Amador, um dos maiores entusiastas da festa da padroeira (Parque de Diversões Imaculada Conceição), que já fazia parte do folclore das festas de Dezembro na Rua Velha. Tivemos conhecimento inclusive que D. Edileuza Estima, esta pessoa formidável, grande educadora e artista de Sertânia chegou a ser maltratada. Onde é que nós estamos minha gente?

Convém ressaltar e parabenizar a ornamentação Natalina feita pela Prefeitura Municipal, bonita e organizada, constituindo-se numa novidade que dá um clima de Natal a Rua Velha, como coração da cidade. Coisas novas que poderiam conviver com as tradições. Este é o costume do mundo civilizado, principalmente dos países de primeiro mundo e não um substituir o outro, como aqui se faz. A destruição da memória e tudo que ela possui em nome de algo, que ainda não se sabe o que é no caso aquilo que chamam de moderno em arquitetura, em música e na vida clerical.

No final do Ano, principalmente para o povo da zona rural havia todo um ritual de preparação para o Réveillon: vinha – se de cavalo, de carro-de-boi, a pé, de caminhão para receber o ano novo. Duval Brito, nascido no Riacho Verde, hoje morando em Paulo Afonso – BA e Luiz Wilson, oriundo do Recanto, hoje radicado em São Paulo-SP, ambos poetas, compositores e meus primos, vieram em 2009, no dia 31 de Dezembro, para relembrar velhos tempos e amanhecer o dia nas barracas, tomando cerveja, vendo a festa. Frustração deles e vergonha minha. Nem parque, nem barracas, nem gente, a Rua velha parecia um imenso deserto ou um povoado fantasma.

Até Quando?

Por: Josessandro Andrade

inédito e sensacional: Artesão portador de necessidades especiais produz obras incríveis







Imagine o camarada nascer com as duas pernas amputadas do joelho prá baixo e numa das mãos ter dois dedos colados. Na outra ter apenas uma bola de carne pendurada. Isso há mais de cinquenta anos atrás, em plena zona rural de Sertânia. O seu futuro seria certamente pedir esmolas, ser sustentado por algum parente ou esperar uma aposentadoria do governo.

Severino Romeu de Melo, Biu da Fazendinha, não aceitou essa que poderia parecer sua sina. De uma família de gente inteligente e estudiosa, os Patu, de Roberto Patu, Rosali Patu, Rômulo Patu (essa reserva moral e cultural de nossa terra), Álvaro e Tota Góis, Biu foi autodidata já na alfabetização.

Aprendeu a ler sozinho em folhetos de cordel. Aos poucos começou a produzir suas peças utilitárias e estéticas: marreta, figa, depois carro-de-boi, bode, casa-de-farinha. Aos poucos tomou coragem e foi comercializando no Posto Rodoviário de Cruzeiro do Nordeste. Passou a vida mantendo o seu sustento desta forma.

Biu tem uma relação com o artista mineiro Aleijadinho, que mesmo com necessidades especiais, produziu esculturas maravilhosas nas cidades históricas. Biu, artesão especial, nascido e criado no Sítio Fazendinha, próximo aos coqueiros, cria suas obras a partir do imaginário do homem sertanejo do Moxotó, o seu entorno.

Biu é uma figura, já foi boêmio, tomador de cerveja e meio farrista. Fala bem, conversa articulada, gosta de ler e de boa música. Filiado ao PCB – Partido Comunista Brasileiro, mas, quase não fala sobre política. Seu terreiro mesmo é arte, inspiração, Sertão.

Biu Aleijadinho é mais uma das joias que Sertânia tem escondidas, mas que precisam ser descobertas e exibidas para orgulho do nosso povo, por ser de uma cidade de poetas, escritores e artistas.

Marcos Cordeiro ganha Prêmio Elpídeo Câmara com História do Cão do Piutá




O escritor, poeta , contista, dramaturgo e artista plástico Marcos Cordeiro , filho do poeta Waldemar Cordeiro e de D. Iracy Gomes venceu pela 4ª vez o Prêmio Elpídeo Câmara, da Fundação de Cultura Cidade do Recife, que premia anualmente o melhor texto teatral. Anteriormente Marcos já havia ganho o mesmo prêmio em anos anteriores com "Nação Pernambuco", que conta em versos a história de lutas libertárias do povo de Pernambuco, " Capibaribe do sol ",(2003) narração da vida de Gregório de Matos em Pernambuco e "Orfeu em África",(2007)onde é contada a experiência do famoso poeta baiano no exílio em Angola, na áfrica.

Agora, Marcos Cordeiro venceu pela 4ª vez, desta feita com "O parvoso e astuto cão do Piutá", uma história que durou muitos anos assombrou a Zona Rural de Sertânia (Coqueiros, Fazendinha , Cacimba de Cima, Riacho Verde, Recanto , Caroá , Algodões, etc). na peça algumas figuras de Sertânia são personagens como o cantador de viola Gato Velho, já falecido e o escritor e poeta Zé Carneiro.


Já há interesse da obra ser adaptada para o cinema e virar filme. A proposta está sendo discutida pelo poeta e cineasta Wilson Freire (Bida) e Marcos Cordeiro, que são primos.

Sertaniense eleito para Academia Pernambucana de Ciências

Antônio Jorge de Siqueira, Doutor em História do Brasil pela USP- Universidade de São Paulo, professor de História da Universidade Federal de Pernambuco, é sertaniense filho de Jorge Siqueira e D. Verônica, da zona rural de Sertânia. Foi orientador do professor e escritor Fernando Patriota, no seu Doutorado na USP. Autor do livro "Sertão sem fronteiras", que lançou em 2011 em Sertânia, na festa de reinauguração da Casa da Cultura, Na Rua Velha.
Antônio Jorge de Siqueira tomou posse na Academia Pernambucana de Ciências, no último dia 15 de Dezembro

, Coroando assim uma longa trajetória-litero-científica, que inclui títulos de Doutor honoris causis de algumas das melhores Universidades do Mundo. Depois do Prof. Gilberto Farias ser escolhido para Academia Pernambucana de Educação, Luiz Carlos Monteiro para Academia Pernambucana de Letras e Artes (a qual nem chegou a tomar posse, pois faleceu) e da premiação (pela 4ª vez) de Marcos Cordeiro no Prêmio Elpídeo Câmara. A Posse de Jorge Siqueira é mais um prova do potencial cultural de Sertânia enquanto terra de poetas, escritores e artistas.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Centenário de Waldemar Cordeiro





As homenagens aos cem anos de nascimento( 20/10/1911)do poeta Waldemar Cordeiro vão se acumulando. Elas começaram em Janeiro, na Semana estudantil de Artes, dedicada ao centenário do mesmo, onde não faltaram recitais, a montagem de uma exposição biográfica e poética do Gênio do lirismo.
Em março a SAPECAS- Sociedade dos Poetas, Compositores, Escritores e Artistas de Sertãnia realizou o Canto da Poesia- Encontro de poetas e artisdtas de Sertânia e regiâo também em homenagem aos cem anos de nascimento de Mestre Dema.
Já em abril foi reinaugurada a Casa da Cultura de Sertãnia que leva o nome do poeta Waldemar Cordeiro, tributo da ACORDES- ASSSOCIAÇÃO CULTURAL DE SERTÃNIA ao centenário do mesmo.
Em julho o vereador Junhão Lins apresentou na câmara de vereadores, o projeto que virou lei municipal instituindo 2011 como Ano Literário Waldemar Cordeiro.
Em setembro,foi realizada na Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, uma mesa redonda em homenagem ao centenário do Poeta Waldemar Cordeiro.
A Programação do centenário está sendo elaborada e breve divulgaremos.

UM OLHAR SOBRE A OBRA DE WALDEMAR CORDEIRO*





Por:Josessandro Andrade

*Palestra proferida no Circulo das ideias, palco principal da programção da VI Bienal
Internacional do Livro de Pernambuco, no Centro de Convenções)


“TENHO A CABEÇA TONTA E A MENTE CHEIA
DOS COMPROMETIMENTOS DA BONANÇA
DA DEMAGOGIA DA ESPERANÇA
DA TENTAÇÃO DO OURO EM TERRA ALHEIA”
( Waldemar Cordeiro)


O poeta na efervescência dos projetos utópicos que se levantam no seu íntimo, reafirma sua crença vocacional no futuro, disposto a correr os riscos que todos os deleites possuem. Assim foi a vida e a obra de Waldemar Cordeiro, em Sertânia, nascido a 20 de Outubro de 1911 e falecido a 30 de outubro de 1992. Homem plural e artista múltiplo:Professor, tabelião público, diretor de educação municipal, poeta, compositor, músico e teatrólogo.

Dono de uma farta obra poética, mas de uma bibliografia curta, o poeta de Sertânia estreou em uma brochura, ainda na década de 1940, com “ondas revultas”, que não continha ainda o potencial ,que ele ostentaria no longo Desenvolvimento de sua produção literária, que iria desembocar numa peleja por editoras, gráficas e órgãos públicos para publicar seu segundo e definitivo Livro,“salão de sombras”, lançado em 1992, pela Prefeitura do Recife, através da Fundação de Cultura, ao qual não chegou a vê-lo impresso, já que fora vítima de acidente de trânsito, aos sair do edifício do poder executivo da Veneza Brasileira,
Atropelado por um veículo, vindo a falecer dias depois, aos 81 anos, após dolorosos dias de internação hospitalar.

“Salão de Sombras” é dividido em em duas partes. Na primeira, há o
“Livro de Siboney” e “Poemas bíblicos”. A segunda engloba “Cadernos de infância”, "visões do mundo e das coisas”, “paisagens”, “apocalipse”, “sonetos”,”trovas e poemetos” e “poemas ad-memorian”.

O “Livro de Siboney” traz o grande poema de amor dedicado a esta, que segundo Alberto da Cunha Melo “é mais uma musa incorporada a mitologia poética do nordeste”. Waldemar Cordeiro alimentou por Siboney um sentimento Estético quase obssessivo, como manda o figurino do estilo romântico, mas deu-lhe forma com elementos do simbolismo como neste trecho:

“Usaria ao falar de Siboney
Palavras refletidas nas estrelas
Todo o charme de Círio Dentre aquelas
E o sol de fogo em que me incendiei”

O teor simbolista se reafirma nos “poemas bíblicos”, onde , católico por formação e opção, Waldemar Cordeiro destila seu misticismo religioso em metáforas sugestivas como : “ o Sol que ventania traz nas costas / apunhalara a estrela da manhã”. Na sua concepção de Cristão, ele também não fecha os olhos Para os descaminhos da realidade social :

“Sinos tocam. Garotos brincam nus
Em véspera de festa, a mais sagrada
Papai Noel promete e não dá nada
Pro Natal dos meninos de Jesus.”

Da sua meninice vivida parte em Minas Gerais, parte em Cabrobó, na beira do rio São Francisco, o poeta escreveu “ Caderno de infância” onde o eu-lírico
Radicaliza na defesa da poesia enquanto a mais perfeita possibilidade de reconstrução do mundo passado e mágico, ao afirmar que “só a poesia faz voltar
Á infância”. Para comprovar a suas tese, ele argumenta nos remetendo aos arraiais da natureza, no correr dos rios, no florescer dos campos, ao cantar de passarinhos, que misturavam-se ás cantigas de roda as canções de ninar das mães:

“Noite já. Minha mãe com suas mãos de lira
Me embalava a cantar numa rede de embira.”

Nesse mergulho no universo de cronos, o seu foco vai até a “adolescência”,
Onde numa retrospectiva telúrica resgata os primeiros e inesquecíveis amores:

“Via á tardinha Lourdes no chalé,
Judia sob um véu azul turquesa,
Plantava beijos nos leirões de Anita,
Corria léguas para ver Teresa

Nas “visões do mundo e das coisas”, Waldemar demonstra ser de fato o
“Mestre Dema”, a dominar também os recursos do verso livre e da poesia moderna, como em “Pântano”, cujo uso harmonioso de antíteses imagens Revelam identidade com as tendências contemporâneas:

“O sapo gênio da lama
Vive sempre a olhar pro chão
E morre fitando o céu”


Para adiante concluir:


“Não tive glórias: sonhei-as.
Não há que meça a distância
Que vai da lama às estrelas”.


As “paisagens” servem como exemplo claro do caráter atemporal e universal da poesia de Waldemar Cordeiro, onde canta desde as figuras mitológicas, as pirâmides egípcias até os sertões do Moxotó, do Pajeú , do São Francisco , da Baixa verde, do Ipanema, do chapéu de couro...

A polivalência do talento poético de “Dema do Moxotó” se faz notar no exercício de “ Os sonetos”. Sabendo-se que não são poucos os vates desavisados,Que desconhecem as características básicas, que vão além da fórmula das estrofes, de dois quartetos somados a dois tercetos, mas envolvem também elementos da rima e da métrica, Waldemar desenvolve este tipo de composição poética,utilizando as orientações clássicas, revelando-se um artífice manuseador Dos recursos mencionados, a exemplo desse alexandrino:

“Proclamaram-me rei da esperança do nada
Meu palácio ruiu como casa sem dono
E não passou de sinfonia inacabada”.


A proximidade geográfica com o Pajeu Pernambucano e o Cariri Paraibano, além da consciente necessidade de pluralidade cultural manifesta no poeta, fizeram com que Waldemar Cordeiro não só mantivesse amizade com os poetas populares de São José do Egito e Itapetim, a exemplo de Lourival Batista, Jó Patriota e outros, e de Monteiro como Pinto do Monteiro, que por muitos anos morou bem próximo do Mestre Dema, em Sertânia, participando de cantorias , onde atuava como motista destes violeiros cantadores e também em rodas de glosas. Isso Contribuiu para ampliar ainda mais a influências da poesia popular Na obra poética de Waldemar, já que como sertanejo,criado nesta região, é natural o convívio com os repentistas. “Trovas e poemetos” é um exemplo a toda prova, onde os temas, expressões e estrofações bebem na mesma fonte dos poetas populares, conservando nuances sofisticados de erudição em seu vocabulário.Que Bela canção de viola daria “Monólogo de um carro de boi”, um lamento do rústico transporte rural ante a chegada do táxi de praça , que roubou-lhe a glória e os passageiros, ou que belo romance de cordel não daria “Rosa Maria”, uma tragédia Passional no bairro da Pedra Grande, que abalou a cidade. Na primeira, tal um poeta na feira, personifica o protagonista em sua derradeira lamentação:

“Adeus vida minha
Cai na desgraça
Que o carro de Praça
Roubou-me o que eu tinha”



Em “Rosa Maria”, o eu-lírico encarna a revolta coletiva diante do bárbaro crime:

“Pixaca, Otelo vulgar
Pra colhê-la de surpresa
Depois de servir-se dela
Fê-la vítima indefesa

No bairro da Pedra Grande
Em horas aveludadas
Tombava Rosa Maria
Com quatorze peixeiradas”


Em “Casa Velha” , o poético cheiro da terra nos remete ao mundo telúrico da nostalgia, numa visão romântica , assim como a do eu-lírico presente nas sextilhas do poema “Só para os olhos”, que virou painel de poeisarte no bar e restaurante” Aconchego”, em Sertânia, desde a época de sua inauguração em 1998, criação do artista plástico Maurício Floriano. Em “a bolsa ou a vida”, esse modo romântico de ver, ganha elementos novos, com uma leve ironia realista:

“Bolsa e vida a sua escolha:
“Uma e outra estão vazias”.


Assim podemos observar os mais diversos aspectos da poesia de Waldemar Cordeiro, que foi na verdade o grande intelectual que viveu em Sertânia. Enquanto Ulysses Lins de Albuquerque fixou-se no Rio de Janeiro e Alcides Lopes de Siqueira, radicou-se no Recife, ambos por obrigações profissionais e familiares, embora não tirassem a terra natal do pensamento e nela Mantivesse pelo menos uma ou até mais fazendas, Mestre Dema , pai de duas famílias ,“optou” , por livre imposição da vida, por morar no Sertão do Moxotó, mais precisamente em Alagoa de Baixo, hoje Sertânia.

Em 1948, com Abílio Monteiro e Ubirajara Chaves, fundou o Ginásio Olavo Bilac,que tornou-se um dos mais tradicionais do interior de Pernambuco, dos quais seria professor de Português, latim e canto orfeônico, entre outras disciplinas. Tabelião público, músico saxofonista, escrevia em partitura com grande desenvoltura. No tradicional América Esporte Clube , foi um dos fundadores, relator do estatuto social e exerceu diversos cargos na direção. Na Prefeitura Municipal foi diretor de Educação de várias gestões e assumiu interinamente cargo de prefeito, no período em que foi secretário-geral do município.

Notável compositor, bastante requisitado pelas famílias da comarca para escrever a valsa das debutantes, saudoso costume daqueles anos românticos. Hoje a trilha sonora de muitos aniversários de quinze anos é o acinte de músicas apelativas, que só falam grosseiramente em baixaria, sem nenhuma poesia, acompanhadas por ritmos que nada tem de melodioso, a não ser as batidas mecânicas de som performático de Academias de ginástica. Hoje, os meios de comunicação só querem faturar o famoso jabá, sem a mínima preocupação com a qualidade musical. É Difícil vermos sendo executadas canções como as de Waldemar Cordeiro e Francisquinho, em memoráveis parcerias de frevos, baiões, sambas, tangos , valsas e boleros, onde a sensibilidade aflora: “Aquarela do sertão”, “Basfont”, “Lá vem a onda”, “Carnaval é sonho”, “Garota san tropê”, Pobre Trovador, entre quase uma centena , segundo o pesquisador João Henrique Lúcio.

Em 2011, estamos há apenas dois anos do centenário de Waldemar Cordeiro.
Será que o município de Sertânia vai se preparar para comemorar tão importante marco? Ou fará um improviso como ocorreu com o de Etelvino Lins? Daqui para lá o que ocorrerá com a obra do Mestre Dema? Irá continuar sendo apenas reverenciada pelos intelectuais, artistas, pequena parte da juventude e professores, sem um estudo maior por nossas escolas, sem publicações, colocado no esquecimento, a ponto de não ter sequer uma Rua em Sertânia com o seu nome, enquanto chovem os casos de praças, escolas e ruas com nomes de apadrinhados políticos?...

Encerro este despretensioso texto, tomando emprestadas as palavras de Alberto da Cunha Melo, poeta pernam,bucano, considerado um dos maiores nomes da poesia brasileira contemporânea, no prefácio da obra: “ Falar (... )sobre poesia é o mínimo que podemos fazer contra os que só se ligam as falsas duplas sertanejas, produzidas aos montes nos estúdios do sul do país. Precisamos gritar contra a avacalhação de nossa cultura pelos bandos modernos de cowboys, que trocam nossas vaquejadas e cavalhadas pelos milionários e descaracterizadores rodeios da nossa identidade como povo. O surgimento de um livro da mais verdadeira poesia é uma oportunidade que temos para fazer, ao mesmo tempo, uma denúncia e um louvor. “Louvo então Waldemar Cordeiro, o poeta de Siboney.” E Mais não disse o poeta Alberto. E mais não digo eu... Também, pudera...

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Josessandro Andrade é professor, poeta, compositor e autor teatral.






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terça-feira, 11 de outubro de 2011

CEM ANOS DE NASCIMENTO DO GÊNIO DO LIRISMO: homenagem na bienal do livro em Recife








Waldemar Cordeiro foi homenageado na VI Bienal Internacional do Livro do Recife, com a mesa redonda "Waldemar Cordeiro : Cem Anos de Nascimento do gênio do Lirismo", tendo como debatedores Josessandro Andrade(Professor EREMOB, poeta e compositor, Marcos Cordeiro (dramaturgo, poeta e artista plástico e Adriano Macena (autor e diretor teatral). o evento foi prestigiado por sertanienses residentes em Recife, familiares do poeta, estudantes e intelectuais.
Convém registrar as presenças dos poetas Ésio Rafael, Alberto Oliveira,
Wilson Freire(que é primo do poeta Waldemar Cordeiro), da poetisa e contista Rafaela Cordeiro( para quem seu pai, Marcos Cordeiro,escreveu o livro "Hai-kai Para Rafaela"), a professora Wilma Patriota e seus filhos talentosos da banda Forró Pathouly (é assim que se escreve?...) Junior e Rafael, as filhas do poeta Cacá e Lourdinha , bem como a nete Laura Cordeiro Chaves.




Veja os Links acesse :

Poeta Waldemar Cordeiro - Comunidade no orkut
http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=47208194